COMEÇA POR UM JARDIM ONDE UM CIPRESTE LUTA PELA VIDA HÁ SÉCULO E MEIO NO PRÍNCIPE REAL. TUDO PARA DESCER EM VIDA DE ALDEIA DE DIA E ROTEIRO DESREGRADO DE COPOS À NOITE AO BAIRRO ALTO, PARA ACABAR EM VERTIGEM NESSE CAIS DE SODRÉ QUE CRÊ NUNCA DORMIR.
Bem podem dizer que o Príncipe Real é mais que o seu jardim, refrescado por fonte e arvoredo, prazenteiro na sua promessa de esplanada. Mas o lugar insiste em fazer-se um caminho em topo de colina, reduto de palacetes e ruas íngremes, desequilibradas do chão. É onde mora o portento do Jardim Botânico e o Museu de História Natural e da Ciência, antes que as diferentes estradas forcem o sítio a brilhar rua abaixo. Na Rua D. Pedro V, memórias de padarias, bares de boa fama e antiquários, não forçosamente por esta ordem. E a cada curva o Bairro Alto chama pelo visitante.
É um quadriculado em forma de artimanha. Há ruas onde se vive, outras onde se passa, compra, vende, se vive feliz em segredo ou se aguenta remediado. De noite, é o sítio de Lisboa que mais depressa perde as estribeiras, o que em si mesmo é uma proposta de cortejo turístico. E na harmonia possível, enquanto os locais dormem de algodão nos ouvidos, os bares, as casas de fado ali plantadas há décadas, as tascas e tabernas, os restaurantes e as lojas que variam em preços e avariam os horários, todos dão a cor e o tom ao Bairro Alto. Dele se dizia ser um império de papel. Acabados os jornais, apenas alguns alfarrabistas guardam as qualidades que no sítio vêm do tempo dos reis e de quem se lhes opôs.
Nos últimos anos, o bairro parece ter-se esticado até ao rio. O gasto Cais de Sodré fez-se referência inovadora, defendendo produtos tradicionais, das conservas de peixe ao bacalhau por demolhar, abençoando os fãs do aperitivo pela mão do British Bar, abrindo ruas aos que bebem, novas propostas aos que comem, fazendo do Mercado da Ribeira um antro de provadores da gula que enche o olho ou satisfaz o estômago. E a um passo, de comboio se chega até ao mar.