ROTEIRO DOS BAIRROS DE LISBOA: BAIRRO ALTO, MODO DE OUSAR

Do BAIRRO ALTO se diz que tem mais para se sentir do que dá para visitar. E o que o borda, dos miradouros de Santa Catarina e São Pedro de Alcântara aos elevadores da Bica e da Glória, dos passeios largos às praças e ruas onde ao carros andam mais depressa que os peões, da vizinhança do Carmo e dos prazeres do Chiado, tudo parece confirmá-lo.

O BAIRRO ALTO é uma criação quinhentista e, bem procurados, ainda se encontram em arcadas ou esquinas indícios manuelinos. Foi aldeola de artífices e comerciantes, recanto íngreme de gente endinheirada que ali construiu casas dadas a tiques palacianos, até passar a ser dominado pelas figuras de jornalistas (as velhas cavalariças permitiam a instalação das grandes máquinas impressoras), ardinas, fadistas e prostitutas, vizinhança de vida boémia onde tudo se discutia à boca entreaberta nos diferentes períodos em que o país se fechava à liberdade.

À sua maneira, o BAIRRO ALTO manteve-se uma aldeia durante décadas. As casas minguaram em largura, toda a gente se conhecia, a vivacidade dos moradores era tão afamada como o seu gosto de dormirem tranquilos, à falta de parqueamento automóvel as suas ruas exíguas e rectilíneas eram feitas para caminhar e todo o lugar chegou a ter fama de labirinto, como se se reconhecesse qualidade sobre-humana a quem fosse capaz de não se perder nele, mesmo com ruas tomadas por míticas e que levam o bairro ao colo em comprimento, com nomes como Rosa, Atalaia, Gáveas ou  Barroca.

Na década de 80 do século passado, a colina do BAIRRO ALTO torna-se o pináculo das novas tendências, com lojas originais e negócios ousados, apostas num lugar que devia irmanar-se com a ‘movida’ madrilena, então no seu auge. As discotecas faziam uso das pequenas caves, outras subia ao rés-do-chão e aí prosperavam. A clientela era variada e a oferta tão aberta que nenhum outro lugar de Lisboa garantia uma mistura tão impressionante. As ruas enchiam-se de gente, todos os passeios passavam a esplanadas de sentar no chão e pousa-copos, o silêncio da noite fora era ocupado pelas conversas e a gritante euforia do copo a mais. E tudo isso sem precisar de um cheirinho que fosse a beira-rio.

Boa parte do lugar assim ficou até hoje. Permanecem alfarrabistas de primeira classe e parqueamento automóvel de segunda. Mas, como em outros bairros da cidade (Santos e Cais do Sodré, por exemplo) a vida ainda não é fácil para os moradores, embora o BAIRRO ALTO tenha encontrado formas de ser tão atraente de dia como de noite. Os bares repetem-se, as tradicionais casas de fado ainda têm por rivais outras de bem maior modéstia onde de improviso se canta o fado vadio, as lojas são mais pequenas mas competem na originalidade das ideias de negócio, já há bons sítios onde pernoitar, o imobiliário anda em reboliço de linhas modernas e, dos restaurantes de luxo cosmopolita aos de comida portuguesa de ementa tradicional ou para onde estiver virada a experimentação ‘trendy’, ainda se come muito bem.

Um dia de caminhada, de vira e revira em linhas rectas, numa repetida coreografia que vale bem uma visita e obriga a mais do que uma mão cheia de paragens obrigatórias.

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