Com as suas colinas, a sua luz inconfundível, a diversidade de ambientes e arquitecturas, o colorido, os seus bairros típicos e tanta história a cada esquina, Lisboa é uma cidade cinematográfica. Há muitos exemplos da relação da cidade com a sétima arte, que de seguida vamos explorar. Da apresentação destes exemplos esperamos que surja um retrato compósito e sedutor desta maravilhosa cidade. E que a estes exemplos se juntem, ao longo dos próximos anos, muitos mais.
Lisboa no Cinema Português
A capital foi o centro da produção da comédia portuguesa inaugurada na década de 30. Um dos seus emblemas, a Canção de Lisboa, tornou Vasco Santana um ícone popular. Ambientado na cidade, o filme é também um retrato da época. Filmado em estúdio e em espaços naturais, a representação da cidade beneficiou da sensibilidade do seu realizador, Cotinelli Telmo, famoso arquitecto que teve aqui a sua única incursão no cinema. Com imagens iniciais do Terreiro do Paço e além dos vários bairros da cidade, duas das principais cenas foram filmadas na Cervejaria Portugália da Almirante Reis e no Jardim Zoológico.
Avancemos três décadas, para os anos 60, e encontramos a paisagem a modernizar-se. O mesmo aconteceu com o cinema Novo Português que fez da cidade um palco. Os Verdes Anos, o clássico de Paulo Rocha, mostra o quadro urbanístico das Avenidas Novas. O Belarmino de Fernando Lopes, o outro grande marco da vanguarda cinematográfica portuguesa, encontra o protagonista a deambular pelas ruas da Lisboa de então.
E nos anos recentes? Maria de Medeiros retratou o 25 de Abril e mostrou as ruas de Lisboa e particularmente o Carmo, tomados pelo entusiasmo da revolução, em Capitães de Abril. João César Monteiro, o mais iconoclasta dos realizadores portugueses, deixou como última obra Vai e Vem, onde o protagonista passeia diariamente de autocarro entre a Praça das Flores e o Jardim do Príncipe Real, onde, debaixo do seu impressionante e centenário cipreste, decorrem diálogos do filme.
Falar de Lisboa é falar de Fernando Pessoa, particularmente do seu heterónimo que maior ligação mostrou com a cidade: Bernardo Soares e a Rua dos Douradores. Esta rua, e outros locais da Baixa da cidade, bem como de Alfama, são cenário de Filme do Desassossego, de João Botelho, onde a presença da cidade se faz enigmática, luminosa e de sonho.
Para um retrato da vida de bairro lisboeta em pleno século XXI, Os Gatos Não têm Vertigens constitui um bom retrato, com a emblemática Maria do Céu Guerra enquanto protagonista.
Lisboa dos olhos estrangeiros
Caído no esquecimento, mas uma produção de prestígio na altura, Lisboa, o policial de Ray Milland protagonizado por Maureen O’Hara levou às telas de todo o mundo, nos anos 50, locais icónicos da cidade e arredores, entre os quais a Torre de Belém, a Praça do Comércio, o Castelo de São Jorge, o Mosteiro dos Jerónimos, o Palácio de Seteais e Cascais. Levou o fado também, pela voz de Anita Guerreiro, em primeiro plano numa das cenas do filme.
Menos de uma década depois, em 1964, François Truffaut, mestre do cinema europeu, nome cimeiro da Nova Vaga Francesa, deslocou-se à capital portuguesa para filmar algumas sequências do seu drama amoroso, Angústia. Embora a cidade seja pano de fundo para o drama, o olhar conciso do cineasta capta com precisão a cidade de então.
O filme mais popular rodado em Lisboa, Ao Serviço de Sua Majestade, veio em 1969, e trouxe o espião mais famoso de sempre, James Bond, na sua incarnação por George Lazenby. Foi o reencontro da história de Ian Fleming com uma das suas origens: o autor passou uma temporada alojado no Estoril Palácio Hotel, durante o seu trabalho enquanto espião da Segunda Guerra Mundial. Foi lá que se filmaram algumas cenas do filme, que passou também pela praia do Guincho e pelo Casino Estoril.
Avancemos para a década de 80, para testemunharmos dois realizadores europeus apaixonados pela cidade. Wim Wenders filmou a sua ode ao poder do cinema, O Estado das Coisas, pelo Cais do Sodré e pela Praia Grande de Sintra. Alain Tanner também ficou, como tantos outros artistas, apaixonado pela luz da cidade. A Cidade Branca, história de amor entre um marinheiro e uma empregada de bar, é disso testemunha.
Nos anos 90, Wim Wenders voltou à cidade para um filme que lhe deu ainda maior protagonismo, a começar pelo título: Viagem a Lisboa. E o filme de espionagem voltou a usar Lisboa como palco, na adaptação do romance de John LeCarré, A Casa da Rússia, que mostra a baixa lisboeta e o Castelo de São Jorge.
Perto de Lisboa, Roman Polanski captou Sintra como cenário de um escritor embrenhado no Oculto, em A Nona Porta, casamento perfeito entre a trama do filme e a atmosfera misteriosa da serra. O escritor? Johnny Depp.
Mais recentemente, adaptando o romance do brasileiro Luíz Ruffato, José Barahona mostrou, em Estive em Lisboa e Lembrei de Você, as aspirações dos brasileiros que emigram para a capital portuguesa, com isso fazendo uma panorâmica da cidade no presente.
Uma trama obcecada por mistérios e pelo passado, a do escritor protagonizado por Jeremy Irons, mas ambientada na Lisboa do presente, Comboio Nocturno para Lisboa, igualmente adaptado de um romance de Pascal Mercier, levou à tela o Cemitério dos Prazeres, a estação de Santa Apolónia ou o Cais de Belém. E o lisboeta John Malkovich gravou integralmente o seu Variações de Casanova, adaptação livre e operática das memórias do famoso sedutor italiano, na cidade, escolhendo como palcos o Teatro de São Carlos, o Palácio de Queluz e a biblioteca do Palácio Nacional da Ajuda.
Artigo em parceria com a INS