Bem pode o poeta dizer que há nos portugueses uma saudade do que ainda não conseguiram ser, mas em Lisboa e à volta da cidade capital há um roteiro que cativa os visitantes e que não tem de ser feito de castelos e palácios, igrejas e monumentos mas antes de restaurantes sem tempo, lojas nostálgicas onde esse tempo não passa ou hotéis que fizeram parte da História e ainda hoje guardam à vista do visitante todas as suas memórias.
É para muitos a maior atração da cidade: para lá da luz e do bom tempo, Lisboa é uma cidade viva. E dos turistas aos cada vez mais estrangeiros que escolhem viver na capital ou por cá terem segunda casa, realça-se a ideia de que uma cidade histórica tem mais a ver com a gente que a habita do que com estátuas. E que lojas, hotéis ou restaurantes aqui testemunharam (e ‘lembram-se’ de tudo) a passagem de grandes figuras da história e da cultura, foram lugares de inspiração de obras fundamentais, veraneio e exílio de reis ou cenários de espionagem e outros jogos de guerra. E os lugares da História ultrapassam os limites de Lisboa, estendendo-se gloriosamente por Cascais ou Sintra.
Os hotéis são um bom exemplo disso. O Lawrence’s, em Sintra, refúgio idílico de Lord Byron. O Palácio, no Estoril, onde Ian Flemming espionava entre a escrita de ‘007 Casino Royale’, ou mais do mesmo à entrada de Cascais com o emblemático Estoril-Sol Hotel. E mais longe, à Boca do Inferno, o Grand Real Villa Itália, última morada do exilado rei italiano Humberto II, ou o Hotel Fortaleza do Guincho, forte e primeira defesa de costa antes do Tejo como uma miragem num deserto de areal. E já em Lisboa, o Avenida Palace, à beira dos Restauradores, testemunha viva das movimentações republicanas de 1910 e uma referência de uma ideia de luxo a receber o então novato século XX, ou o Heritage Janelas Verdes onde viveu e escreveu Eça de Queiroz.
Muitos destes hotéis têm os seus próprios restaurantes de eleição, mas uma visita à Lisboa deve incluir o Tavares, brilharete de luxo ao Bairro Alto, bitola a partir da qual tudo o resto se mede, a começar por restaurantes típicos ou casas de fado que em diferentes formatos já funcionavam ao tempo da 2ª Guerra Mundial numa cidade neutra que acolhia refugiados de qualquer dos lados do conflito. Bem antes, o Martinho da Arcada ao Terreiro do Paço, se afamava como a ‘mesa’ de Fernando Pessoa. E ainda lá está, posta a preceito. E cafés como a Versalhes ou voltando a Pessoa e aos criadores ativos no primeiro quartel do século XX, a Brasileira do Chiado, ainda hoje lugar de tertúlias artísticas.
E no Chiado, diga-se, apesar da renovação forçada por conta do terrível incêndio de 1988, multiplicam-se as lojas com História, dos cafés d’A Carioca à Luvaria Ulisses, com a pausa devida na Barbearia Campos. E a caminho do Rossio há muito mais e sempre diferente, como a Retrosaria Arqui Chique, as joalharias Ferreira Marques ou do Carmo, a inigualável Chapelaria Azevedo Rua. E mais pausas para petiscos e outras delícias, a começar pela secular A Ginjinha, desde 1840 ‘com elas ou sem’ ao Largo de S. Domingos.
E à volta de todos estes lugares, vizinhos do lado e dos andares de cima, vive ou passa gente que ali fica por um tempo, desbrava conversas e faz de Lisboa uma cidade com História, mas contada por gente viva, como se o passado fosse tão intemporal como o futuro. E não há visitante ou lisboeta ‘adotivo’ que não dê por isso.