O L’Artusi é um restaurante italiano em Lisboa, que não só gira à volta de um livro de 790 receitas como funciona exclusivamente para servir o que está dentro do livro. A figura de proa é Pellegrino Artusi, que em 1890 publicou o guia dos guias da cozinha transalpina, «A Ciência na Cozinha e a Arte de Bem Comer». Que o que sai das panelas e frigideiras dos cozinheiros Marco e Giovanni segue à risca as regras de Pellegrino é algo comprovado à mesa, com uma ementa sempre em mudanças que cita o número da receita e umas quantas folhas atadas por cordel que nos dão a tradução em português de Portugal. O L’Artusi diz-nos o que se come e como se faz. A tal ‘arte de bem comer’? Bem, o cliente tem de fazer alguma coisa, não?
No lisboeta bairro de Santos, a Avenida D. Carlos I faz uma pausa em meia dúzia de degraus para se esconder na Rua do Mercatudo em Santos. O L’Artusi está a dois passos, onde em tempos idos um restaurante com o nome da rua dava de manjar aos passantes e outros fiéis. A bem dizer, Paolo Morosi (o dono) e a sua trupe italiana mal mexeu na casa. O mármore branco e negro toma conta das paredes e a madeira rusticamente esculpida anuncia o burburinho da cozinha. Nos pregos penduram-se fotografias de figuras de proa das artes de Itália na segunda metade do século XIX ou reproduções de pinturas de época. A moldura maior, já se adivinha, enaltece o semblante de Pellegrino, filho das terras de Forlimpopoli e homem de bonomia evidente, ele próprio emoldurado por duas fartas suíças que lhe arredondam a cara como num cartaz de boas-vindas.
Barbara Mura cuida da clientela e põe a mão na massa, que há mais do que um dedo dela nos tortellini e seu pares. É a nossa sorte: Dona Barbara aconselha o que levar ao estômago, explicando de onde vêm os ingredientes mesmo que os ditos não se mostrem à primeira olhadela, e como humedecer os beiços. É a ‘culpada’ pela escolha do maravilhoso tinto Memoro, da família Piccini, inventado com castas dos quatro cantos de Itália para celebrar os 150 anos da unidade definitiva do país (1861). À mesa dos três amigos chegaram duas garrafas e uma vontade de repetir a dose que foi difícil de segurar.
Abriu-se a festa com Empadão de Caça de recheio solto e sem vislumbre de secura e uma língua de vitela de se desfazer na nossa, de finíssimo fatiado e encimado por uma discreta pasta de verduras e atum. Regressam para outra volta à arena (o atum e o vitelo) no Vitello Tonne que estava de se lhe pedir dose tripla, o carpaccio de polvo no ponto onde é sensato querê-lo e a volta do pombo, acomodado na perfeição em tortellini daqueles que se vêem à distância. Quando um trio de compinchas se apercebe que metade da conversa regada a Memoro tem por assunto o que há de arte em comer bem no L’Artusi, já se vê que de dia ou de noite aquilo é a nossa nova casa.
Sem um amargo de boca que se sentisse, eis que dão entrada em cena o mais suave tiramisú, um gelado amendoado de estalo e um bolo de frutos silvestres de mestria pasteleira. A senhora Mura achou por bem que os cafés deviam ser curtos e de coice, com uma saborosa grappa gialla (amarela) da reserva Nardelli a fechar o regabofe. E os amigos a fechar a casa, que não havia maneira de nos tirarem de lá. Se soubéssemos que o L’Artusi era assim tão bom tínhamos levado sacos-cama.
Este L’Artusi é um restaurante italiano desavergonhadamente caseiro, requintado na forma como faz questão de ser rústico. Está entre os melhores de Lisboa. E na cidade é bem capaz de não haver outro italiano que se lhe compare.
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