Em Torres Vedras uma adega excecional e inovadora marca a diferença e aponta os novos caminhos da produção de vinho em Portugal
A viagem de ida para o segredo mais público da Ventosa
Nem leva 30 minutos, de Lisboa às suaves encostas de Torres Vedras. É generoso pedaço de terra onde nos últimos anos se tem investido a sério, modernizando-se os vinhedos e insistindo para que o solo receba novas castas, nacionais e internacionais. Dali se criam alguns dos mais originais vinhos brancos de Portugal. É regra da região: produzir vinhos de personalidade, com mineralidade, fruta vibrante e toque salino. E, já se adivinha, nem tudo gira ao redor do vinho: de tal forma Torres Vedras é rica em património e belezas naturais, com diferentes percursos e rotas de passeio recheadas de paragens para inesquecíveis provas de vinho e petiscos. A AdegaMãe não é apenas uma dessas paragens. Em rigor é uma adega, um laboratório experimentador, um triunfo de enoturismo e da gastronomia, uma aposta de inovação que mal tem comparação em Portugal. 30 gloriosos hectares na Quinta da Archeira, à freguesia da Ventosa.
O nome tem o seu quê de celebratório e é do que se trata no seu duplo significado. Desde logo surgiu como uma homenagem dos fundadores da adega à matriarca da família, Manuela Alves. Mas o nome AdegaMãe é também uma saudação a todo o ciclo de criação que se estabelece entre a vinha, a videira, o seu fruto e o vinho que daí resulta. E, antes do resto, uma paixão antiga do grupo Riberalves. Sim, esse dos bacalhaus…
E a experiência começa assim que entre os vinhedos e já desde longe se vislumbra o edifício, de linhas modernas e limpas, uma gigantesca varanda orientada para a paisagem de vinhas e desenhada de maneira a proporcionar a melhor experiência de visita, garantindo que quem lá chega não sai sem ficar a saber tudo sobre o vinho e o seu processo produtivo. Foi desenhado pelo arquiteto Pedro Mateus, que tirou a inspiração do que ele chama o ‘ondular contínuo das colinas’, um exercício de horizontalidade serena como uma moldura do quadro natural. É a primeira regra de ouro da AdegaMãe: a um passo do mar, nos braços de Torres Vedras, a casa abraça o visitante com a promessa de uma viagem por toda a vindima, desde a zona de receção das uvas às cubas de fermentação ou à sala de estágio.
A visita à AdegaMãe. O que ver e sentir num lugar único
No coração da adega a visita abre com as prensas de vinhos branco e tinto e logo impressiona a grandiosidade das cubas de armazenamento e fermentação. Daí se segue para o Laboratório e para a Sala do Tempo, onde os aromas se misturam com o odor enlevado das barricas de carvalho francês. À imponência do salão de eventos (o Espaço M) junta-se a sala de provas como lugar de degustação com vista para a vinha e a loja (para que os sentidos possam levar para casa algo mais do que a lembrança).
As provas de vinho e o novo restaurante Sal na Adega
Entre as mais diversas possibilidades de visita, com provas de vinhos e harmonizações, a experiência AdegaMãe é um sensorial mergulho nos tintos, brancos e espumantes de inspiração atlântica, que podem ser conjugados com a gastronomia e os produtos de época. E desde 2020 que há uma razão ainda maior para nos perdermos neste espaço: o novo restaurante Sal na Adega.
Este é um palco de interpretação da cozinha tradicional portuguesa, que surge lado a lado com os vinhos elegantes, frescos e minerais, marcados pela influência oceânica. Em pleno rooftop do edifício da AdegaMãe, numa área funcional e requintada, o Sal na Adega tem disponibilidade para 48 lugares, é complementado com um winebar e uma loja, e orientado para a extraordinária paisagem de vinhas que domina a região.
Sim, na AdegaMãe, o enoturismo é muito mais do que um produto. É uma experiência disponível 365 dias por ano. E o restaurante Sal na Adega é o seu mais recente e distinto complemento, celebrando a cozinha tradicional, os produtos de mar, os mais diversos pratos de bacalhau, os polvos da costa ou de peixes no sal e na grelha. E também as carnes, como os mais tradicionais cabritos, borregos ou cozidos à portuguesa, ou os chuletons preparados no fogo. Um serviço permanentemente desafiado pelos vinhos da casa, sempre disponíveis a copo, para que a prova possa ter total.
E por falar em prova, destaque para os monocastas brancos como o Viosinho e o Arinto, vinhos que a viticultura e a enologia da AdegaMãe têm vindo confirmar com verdadeiras expressões diferenciadores do terroir atlântico, autênticas pérolas de frescura e mineralidade, provados assim, a solo. E variedades também cruciais nos principais vinhos de lote da casa.
Destaque para um dos ex-libris da chancela AdegaMãe, o 221 Alvarinho. Um vinho com o seu quê de intrigante, quando dois enólogos (Anselmo Mendes e Diogo Lopes) lotam a mesma casta (100% alvarinho) e vinificam separadamente os vinhos em barricas usadas, uma battonage que leva nove meses… e resulta em pouco mais de 2700 garrafas. E lá estão as notas de toranja e mel e o inevitável toque de mineralidade. É volumoso na boca, textura saliente, fruta citrina e rica expressividade. O final prolonga-se em intensidade com um ligeiro toque salino. É trunfo garantido com mariscos e peixe no forno.
Novos vinhos de lote, não esquecer os Dory (tinto, branco e rosé) da marca emblemática da AdegaMãe, que surge como um tributo à herança portuguesa da pesca do bacalhau. O tinto é um Bordeaux à portuguesa, a que não é alheia a ‘mão’ da casta Touriga Nacional. Palato pronunciado num vinho encorpado com uma refrescante acidez, taninos evidentes e diferentes toques frutados. O final é longo, com um começo de detalhe de especiaria e pimentão. Este de 2014 é considerado mais promissor que triunfal. Já o Dory Branco, provavelmente o mais conhecido vinho da AdegaMãe, é uma jovial celebração de fruta, de frescura e de carácter salino, que o torna perfeito para qualquer momento de verão.
Importa também, claro, fazer uma viagem pelos monocastas tintos. Aqui destaca-se o Touriga Nacional, a sua robusta cor ruby, tão típica da casta e com notas florais a fazerem-se notar. Com uma ligeira tosta vem algum fruto preto devidamente combinado e a boa estrutura e os finos taninos prolongam-se na boca. Altamente recomendado para assados no forno ou como ‘companheiro’ de queijos.
Sendo Portugal país de pequena dimensão na faixa ocidental da Península Ibérica, a influência do clima atlântico e do seu oceano é preponderante. O país é geralmente resumido como sendo de clima temperado húmido com verão seco (Douro, interior e Sul) ou de verão seco e temperado (Norte, Centro e Alentejo Litoral). A região de Lisboa, onde se insere Torres Vedras e, naturalmente, a AdegaMãe tem as características próprias de solos próximos ao Atlântico e onde os vinhos, costumeiramente originais, são marcados por uma acidez natural e grande mineralidade. É nesse sentido que brilha, claro, a última sugestão das provas de vinho da AdegaMãe: os Terroir (branco e tinto). Estes são vinhos nascidos apenas em anos de excelência, expoentes máximos do projeto e de tudo o que o diferencia. Vinhos verdadeiramente especiais. O tinto é francamente complexo, com notas de resina, mineral e fruto preto. Os taninos são intensos e maduros, a garantir um vigor de boca e estrutura a condizer. O final é insistente e permanece, alongando-se na memória, por assim dizer. Já o branco destaca-se pela elegância, frescura e salinidade, tudo num conjunto bem integrado em barrica, a qual lhe confere volume, untuosidade e grande complexidade.
O regresso a casa. Como melhor aproveitar a região
A estadia fez-se com redobrado prazer no Hotel Dolce CampoReal, em Torres Vedras, enquadrado por campo de golfe, experiências equestres e excelente oferta gastronómica. Ideal quartel-general, passe o termo, para nos despedirmos da AdegaMãe (até uma próxima visita, claro está) com um passeio pela região. Tem de se começar por subir a Peniche, com a beleza das suas praias e o desafio desse surf de categoria mundial que só ali se pratica. Não faltam as praias em caminho, a do Baleal ou essa outra de Santa Cruz que para lá da oferta hoteleira tem o interesse turístico do património histórico ligado às Linhas de Torres e à saga das invasões napoleónicas dos inícios do século XIX. É certo que podemos sempre ficar por Torres Vedras, terra de igrejas, conventos e demais adegas (que à AdegaMãe, apesar de primeira entre pares, não faltam algumas rivais…) e um pastel de feijão que não tem o que se lhe compare. Mas, de regresso a Lisboa e nestes dias longos de calor, depois de deixar marca na sumptuosa Mafra houve tempo para dar um salto à Ericeira e aos prazeres do marisco, mesmo que em cataplana, acompanhado por um branco leve e fresco da região, a nossa escolha de fim de passeio.
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