Quanjude: pato à pequim com séculos de história

Em Lisboa, é um restaurante novo. No entanto, o seu nome acarreta histórias e, no seu país natal, uma reputação considerável. Mas já lá vamos. Às histórias, isto é, porque há umas quantas para contar a propósito do Quanjude, o novo chinês da capital.

Comecemos pelo início, que é como quem diz, pela entrada no restaurante e as primeiras impressões. No Parque das Nações, perto do Centro Comercial Vasco da Gama, um espaço amplo paredes meias com o H3, com o qual divide o pátio-esplanada. No interior, uma sala em que estantes e objectos de decoração da China criam nichos e dividem o espaço. No lado esquerdo, mais à frente, três salas privadas, pequenas e com uma mesa redonda, convidam os grupos, as festas de famílias e os almoços e jantares de negócios. A decoração prima pelos elementos que aprendemos a identificar como os desta região, o som da pipa espalha-se discretamente pelo espaço e lembra outras paisagens. Madeiras escuras, atoalhados encarnados, loiças azuis e brancas, e ainda as paisagens montanhosas em traços finos, os biombos pretos e marfim, uma escultura de um guerreiro, jarras opulentas e uma escultura de madeira representando símbolos tradicionais, como as garças e os anciãos, chamando boa fortuna, sorte, dinheiro e longa vida. Esta escultura introduz a história desta marca de forma curiosa no primeiro da restaurante da cadeia na Europa: veio da China já há alguns anos e ocupa lugar central na sala deste novo espaço, em jeito de boas vindas. A ela se juntam os patos cerâmicos, imagem de marca da Quanjude.

Na China, Quanjude é sinónimo de pato à Pequim de qualidade. Um nome que é reconhecido por boa parte da população e é sobretudo associado a experiências gastronómicas mais refinadas. Afinal, como veremos, a confecção desta iguaria corresponde a uma “arte” que tem vindo a ser aperfeiçoada ao longo dos séculos, processo no qual esta cadeia se tornou especialista.

Yang Yue, a simpática filha de um dos sócios responsáveis pela vinda desta cadeia para Portugal, guiou-nos não só pelas histórias da arte chinesa, área em que se encontrava à-vontade por ser estudante de belas-artes, como pelos processos culinários que culminam nas iguarias que nos foram sendo servidas.

Uma entrada típica, umas tiras de carne de vaca frias, marinadas, temperadas com ervas e um sabor forte, iniciaram a viagem gastronómica, e logo se seguiu a estrela da ementa.

No Quanjude, tal como noutros restaurantes chineses, servir pato à Pequim implica servir mais do que um prato. O principal, claro, é o que melhor conhecemos, as tiras de pato finas com pele vermelha e muito estaladiça, que se servem em crepezinhos leves compostos com alho francês, pepino e molho hoisin, um molho adocicado feito com soja, alho, malagueta, vinagre, açúcar, entre outros ingredientes, e que é bastante usado na cozinha chinesa, sobretudo neste prato e em mariscos. A qualidade da carne destacou-se, saborosa e tenra, resultado do nomeado processo longo. Como os chineses, na cozinha, gostam de aproveitar tudo, com as partes do pato que não são usadas no prato principal faz-se uma sopa de caldo muito translúcido e ainda um prato de carne com ossinhos salteados com pimenta preta.

Agora, uma pausa nos sabores para um pouco de história. Com séculos de existência, o pato à Pequim, indiscutivelmente um dos pratos mais famosos da cozinha chinesa, era servido nas cortes imperiais já no século XIV. Perene favorito dos mais favorecidos, atravessou diversas dinastias até à abertura dos primeiros restaurantes, que o democratizaram. O primeiro Quanjude inaugurou em 1864, na era da Dinastia Qing, em Pequim, e o seu dono, um comerciante de patos e de galinhas, chamou um cozinheiro imperial para lá aperfeiçoar a confecção da receita imperial, e o sucesso foi grande. Tão grande que, passados quase dois séculos, a Quanjude é uma das maiores cadeias de restaurantes da China, com diversos espaços (e mesmo assim as reservas são difíceis) e o Pato à Pequim é indissociável desta marca.

Com um processo de produção e confecção tão demorado, não é de admirar que seja sempre necessária reserva se o objectivo for degustar esta iguaria.

Para começar, os patos, que vivem por noventa dias, devem ter um peso de aproximadamente 2 quilos e 600 gramas e uma certa estrutura anatómica. Desde o início até que chega à mesa passam-se três dias. Um dia de limpeza, depois secagem de doze horas, e oitos horas a marinar (com aipo, cebola, cenoura e outros) garantem que o pato pode depois ir ao forno a lenha. A lenha deve ser de oliveira e arder durante muito tempo e controlada. O pato, envolto nos molhos certos, cozinha depois por setenta minutos. Se o resultado final desejado é a cobiçada carne com pele crocante, este processo deve ser cumprido à risca.

Neste primeiro restaurante da cadeia na Europa, dois cozinheiros vindos da China asseguram que se come o pato cá como lá, garantindo o sucesso da confecção.

Mas o Quanjude apresenta outras iguarias da cozinha chinesa, nomeadamente da região de Sichuan (que se encontra na moda, tanto na China como no Ocidente, sobretudo entre os mais jovens). O que nos foi dado a provar foi o feijão verde salteado a altas temperaturas com pimenta e carne picada, o doce do feijão a contrastar com o sabor amadeirado da pimenta e o picante, complementado pelos pedaços crocantes e salgados de carne.

Numa refeição cheia de histórias e sabores exóticos, fomos agraciados com uma surpresa fora da carta: um prato de lagosta com massa de arroz, a lagosta inteira trinchada e acompanhada de um molho saboroso e intenso de alho e cominho, e a massa que absorveu todos estes sabores. Com o tempo certo de antecedência no pedido, esta como outras delícias estão disponíveis para qualquer cliente.

Para finalizar, não escapámos às sobremesas igualmente típicas: uma fresca taça de pérolas de tapioca, com leite de coco e gelatina de manga, perfeita para refrescar o paladar de tantos sabores intensos, e um creme de feijão preto com leite de coco, que para os nossos paladares carecia do açúcar a que estamos habituados quando pensamos em sobremesas, mas igualmente bem confeccionada.

Se ficou com água na boca, e tem apetência especial para os sabores orientais, o Quanjude está aberto todos os dias excepto terça. Não se esqueça de fazer reserva com antecedência se o prato almejado for o Pato.

Ah, e podemos dizer em primeira mão que o restaurante vai aceitar encomendas desta iguaria para a época natalícia. Um Natal com sabor diferente, porque não?

 

QUANJUDE
Rua Pólo Norte 1.06 21, Parque das Nações, Lisboa
Todos os dias, excepto terça, das 12:oo às 15:00 e das 19:00 às 23:00
Reservas: 967 160 008 / patinhasempequim@gmail.com
Preço Médio: 20 € (por pessoa)

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *