Oito horas da manhã de um domingo de Outono. O despertador toca e não é partida de mau gosto. Saltamos da cama com a energia incontida de quem adivinha uma aventura: um passeio a pé pela Serra de Sintra, na companhia da empresa Walk Hike Portugal.
“Os Jardins Inesperados, Capuchos – Monserrate” é o nome do programa do dia. Conhecer os Capuchos, o mais importante testemunho da floresta primitiva de Sintra, e os Jardins de Monserrate, por contraste, uma exuberante criação do século XIX, com a visita aos respetivos monumentos incluída e com uma caminhada de sete quilómetros pelo meio, é a promessa.
Devidamente instruídos pelos nossos guias, porque somos “verdinhos” nestas lides, calçamo-nos o melhor que podemos (o que, como veremos mais à frente, pode não ser suficiente…), vestimos qualquer coisa leve e quente, e colocamos às costas o kit “de sobrevivência”: água, algo para trincar e, claro, a máquina fotográfica.
Corremos para o nosso ponto de encontro, o parque de estacionamento do Convento dos Capuchos, e aí, descontraidamente, esperamos por todos os elementos do grupo. A reunião faz-se sem pressas e com prazer porque, afinal, os momentos de stress ficam guardados para os dias de semana.
No universo fantástico dos Capuchos
O disparo de partida é dado na primeira entrada do parque. Aqui tomamos contacto com os primeiros testemunhos da primitiva floresta de Sintra: os medronheiros, os castanheiros, os azevinhos, entre outros exemplares que os religiosos souberam proteger.
Ainda à entrada tentam apresentar-nos à Vaca Loura (não, ainda não estamos cansados o suficiente para lançar impropérios aos anfitriões deste espaço, trata-se, sim, do maior escaravelho da Europa, que aqui faz a sua casa). O imponente inseto não dá um ar da sua graça (parece que a sua vida curta, de cerca de um mês, torna os encontros complicados), mas o ruído feito a alimentar-se de um caixote de madeira em decomposição, enquanto está no estado larvar, fase esta que pode chegar até aos 7 anos, basta-nos para ficarmos com uma ideia…
A entrada no convento, propriamente dita, com dois caminhos possíveis, representa o livre arbítrio e é uma boa introdução à avançada forma de pensar destes monges. Uma vez feita a escolha, mergulhamos no domínio do fantástico. O convento franciscano funde-se no verde envolvente, como só podia, vindo de quem adorava o Criador através daquela que consideravam ser a sua maior obra: a natureza.
Ultrapassada a primeira porta, todo o grupo, crianças e também os adultos, entra e sai das minúsculas celas, vivendo as emoções de duendes nas suas casas encantadas. Os guias do grupo vão-nos chamando à realidade, apontando pormenores, como por exemplo, o uso da cortiça na construção, material hoje tão elogiado pelas suas capacidades isolantes e anti-sépticas.
Com tanta diversão nesta “Sintra dos pequeninos”, os nossos guias têm alguma dificuldade em arrancar-nos dali. Mas a caminhada ainda nem começou…
A marcha no corredor florestal
Imbuídos do espírito franciscano, embrenhamo-nos na natureza. Pelo caminho, os únicos humanos que encontramos vão montados em bicicletas e circulam a grande velocidade. São os praticantes de BTT que elegem a serra nos seus passeios domingueiros. Apesar dos diferentes ritmos, caminhantes e ciclistas não se atropelam.
O caminho escolhido, que nos leva dos Capuchos até Monserrate, não é o mais curto ou óbvio, mas é o mais suave, sem subidas ou descidas demasiado inclinadas, e muito, muito bonito. As nossas objetivas vão captando cogumelos de tamanhos e cores surpreendentes, aranhas que tecem as suas sedosas teias, lesmas que se atravessam perigosamente no caminho e que salvamos de serem pisadas (que fazer, quando experimentamos a natureza assim, no seu estado mais intocado, tudo adquire outras proporções!)
À medida que vamos avançando, o caminho vai estreitando e ficamos a saber que estamos a experimentar “single track”, o que em português vulgar significa que estamos a percorrer um trilho onde só cabe uma pessoa. Com a natureza assim de mão dada, o passeio ganha contornos ainda mais especiais. O adensar da floresta não assusta, muito pelo contrário, inebria, com a sua calma, frescura e cheiros inesquecíveis. A caminhada faz-se a bom ritmo, com as crianças a saltitar e os adultos (os que vão mal calçados e são pouco ginasticados) a começarem a sentir os pés e as pernas. Mas, com algumas paragens para recuperar forças e com o constante deslumbramento perante tudo o que nos rodeia, o percurso faz-se até ao seu destino, o Parque e Palácio de Monserrate.
Uma magnífica fantasia chamada Monserrate
A fazer jus ao prémio recém-atribuído pela European Garden Awards, na categoria de “Melhor Desenvolvimento de um Parque ou Jardim Histórico”, Monserrate está esplendoroso.
Voltando às imagens, se nos Capuchos deixamos à solta o Hobbit que há em nós, aqui garantimos às crianças que este é que é o autêntico Palácio das Mil e Uma Noites. Mas, antes de o percorrermos, fazemos uma pausa para almoçar. Uns piquenicam no enorme relvado em frente ao palácio, outros não resistem ao conforto da cafetaria. Recuperadas as forças, partimos então para o interior deste palácio, fruto do devaneio do milionário britânico Francis Cook que, no século XIX, das ruínas de uma mansão neo-gótica, concebeu a sua fantástica residência de verão. Reaberto desde 2007, o recuperado palácio evidencia as influências góticas, indianas e mouriscas nas suas variadas salas. A beleza estonteante do seu interior estende-se ao exterior (ou será ao contrário?), naquele que é um dos mais ricos jardins botânicos portugueses. Sentimo-nos tentados a rebolar no magnífico relvado que é apresentado como o mais antigo do país e deixamo-nos deslumbrar com a gigante araucária que se ergue em pleno relvado, com os variados tons e odores oferecidos nos jardins do Japão, do México, no Roseiral…
Por fim, a luz do dia começa a rarear, despertando-nos para a necessidade de deixar este paraíso. Para não quebrar o estado de graça, os nossos corajosos guias fizeram o favor de regressar pelo seu próprio pé ao ponto de partida, trazendo-nos o carro até aos portões de Monserrate. Com este “ato de magia”, que as nossas pernas cansadas muito agradecem, reforçam assim a sua simpatia e o nosso desejo de repetir a experiência. Quando é que é a próxima?
Contactos Walk Hike Portugal:
Tel. 919 241 094
Site: Walk Hike Portugal
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Nota final: Classificado com o nível 2, numa escala de 1 a 5, que vai do Muito Fácil ao Muito Difícil, este era um programa acessível, aberto inclusive a crianças pequenas. Toda e qualquer ideia que possa ter passado de cansaço e a alusão a dores nos pés é da inteira responsabilidade da autora destas linhas, pouco ginasticada e com calçado comum, não adequado a caminhadas.